Breve análise exegética dos oito elogios de Jesus à Igreja de Éfeso
1) Conheço as tuas obras
O verbo conhecer oijda (lê-se, óida) está conjugado no tempo perfeito, modo indicativo. O tempo perfeito tem a seguinte característica: é um tempo cuja ação atribuída ao verbo nunca cessa. Jesus não apenas conhece ou conheceu sua igreja num determinado momento, mas continuará a conhecendo eternamente. O fato de o Senhor dizer que conhece as obras de alguém, não se restringe a estar inteirado, de passagem, informado por terceiros, mas conhecer plenamente as implicações de quem as faz.
Obra no original grego é e[rgon (lê-se érgon), que vem de e[rga (lê-se érga), obras, do tipo que criam um histórico da vida de uma pessoa ou do monumento moral de uma determinada idéia, como a Lei em Rm 2:15. O termo está no plural, indicando que o trabalho da igreja de Éfeso não era limitado, nem resumido, mas multiforme. É a mesma palavra utilizada, por exemplo, em Lc 24:19: ... Jesus Nazareno, que foi homem profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo. Ou Jo 1:2: E João, ouvindo no cárcere falar dos feitos de Cristo, enviou dois dos seus discípulos. Deus sabia como a igreja em Éfeso se esmerava para oferecer seus préstimos da maneira mais adequada e variada possível.
2) Conheço o teu trabalho
Trabalho aqui é kovpon (lê-se kópon), que vem de kovpo" (lê-se kópos), e denota trabalho duro (como traz a KJV, hard work), esforço, labor até a exaustão. O verbo kopiawv (lê-se kópiaô), trabalhar, era comum nos dias apostólicos para denotar o afinco com que os apóstolos e discípulos se dedicavam a anunciar a Palavra de Deus. Paulo o usa várias vezes para referir-se à labuta diária em prol do evangelho. Em I Co 4:12a, por exemplo, é referido assim: E nos afadigamos, trabalhando com nossas próprias mãos. O esforço diário da igreja de Éfeso não passava despercebido pelo Senhor dela. Ele sabia até mesmo quando mental ou moralmente a igreja estava exausta, fazendo questão de renovar as suas forças. Note a distinção entre obras e trabalho, obras é o resultado, trabalho é o meio empregado para alcançá-lo.
3) Conheço a tua paciência
Nos acostumamos a misturar duas palavras gregas e seus conceitos para paciência. A primeira, utilizada aqui, é uJpomonhv (lê-se, rrypomonê), vem de uJpomonhvn (lê-se, rrypomonên) e se refere á paciência como o dom de perseverar. Esta palavra ocorre 32 vezes no NT, e ora é traduzida como perseverança, como em Lc 8:15: E a que caiu em boa terra, esses são os que, ouvindo a palavra, a conservam num coração honesto e bom, e dão fruto com perseverança. Observe que os frutos não virão com facilidade, mas com paciência, em meio às adversidades. Em Apocalipse, que é o livro da expectativa, ocorre sete vezes. Em 1:9, 2:2,3,19, 3:10, 13:10 e 14:12.
A outra palavra/conceito que utilizamos para paciência é ejgkravteia (lê-se, egkratéia), que significa domínio próprio, autocontrole. Esta é a palavra utilizada em II Pe 1:6, para temperança. Gálatas 5:23, lista a temperança como um fruto do Espírito. Como já dissemos fruto não é algo para curto prazo, mas resultado de um longo processo de amadurecimento. Uma alma exige tempo para estar pacificada.
4) Não podes sofrer os maus
A palavra sofrer aqui é bastavzw (lê-se bastazô), significa suportar, tolerar, agüentar. É utilizada em Rm 15:1, por exemplo: Mas nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos. Leia Gl 6:2 com a mesma idéia. Uma dimensão interessante da palavra está em Mt 3:11, quando João diz que não é digno de levar as sandálias de Jesus.
Não poder sofrer os maus é não tolerar sua maldade, nem compactuar com ela. Remonta-nos ao Salmo 1, onde o que não se associa à maldade é bem-aventurado. A igreja de Éfeso era uma igreja que procurava se desviar do mal (Jó 1:1). O conceito de retidão está implícito aqui, reto é o que se desvia do mal. Aliás, na teologia rabínica, reto é aquele que sob a luz intensa não produz sombra em direção alguma. Ou seja, confrontado com o olhar de Deus, que tudo vê, nada lhe desabona.
5) Provaste os que de dizem apóstolos
Provar aqui é peiravzw (lê-se péirazô), que tem o sentido de teste. Jesus, por exemplo, foi levado ao deserto peirasqh`nai ujpoV tou` diabovlou (lê-se, péirasthênai rypo tu diabolu) para ser tentado pelo Diabo. Um excelente exemplar do termo ocorre quando Marcos registra a pergunta de Jesus no cap 12, vers 15a: Por que me experimentais?
A prova, entretanto, não é aquela predisposição para reprovar, mas o medo de ser engodado, que deve levar os crentes a examinar a harmonia do que as pessoas fazem e dizem com as Escrituras Sagradas. Os pseudo apóstolos (falsos apóstolos) estavam por toda parte, induzindo erros e conveniências pessoais, com a finalidade, muitas vezes inconsciente e de boa fé, de destruir o caminho dos santos. Portanto, não basta uma análise superficial e tendenciosa, devemos provar as pessoas!
O final do versículo argumenta: E os achaste mentirosos. O pensamento judaico afirmava que a mentira em princípio parece uma verdade. Assim como as palavras hebraicas rq#v# (lê-se, sheqer), mentira e tm#a$ (lê-se, emet), verdade possuem vogais e quantidade de letras idênticas. Mas como a mentira não pode se apoiar sobre uma perna só (todas as letras de sheqer possuem uma perna única), acaba por se revelar como tal. Os efésios não apenas detectaram o mal, como acusaram o prejuízo que estar a seu lado causaria.
6) Sofreste e tens paciência
A palavra bastavzw (lê-se bastazô), sofrer, se repete aqui. Notemos, porém, que o sofrimento improdutivo é humano ou maligno. O sofrimento segundo Deus produz resultados eternos, pois culmina em paciência. O sofrimento por si só não credencia ninguém a nada diante de Deus, nem mesmo a ser salvo. Há uma pedagogia no sofrimento, que se adequadamente compreendida eleva espiritualmente o ser humano, caso contrário, se torna masoquismo barato.
7) Trabalhaste pelo meu nome e não te cansaste
O termo kovpon (lê-se kópon) ressurge. João mostra que o esforço exaustivo agora não foi pelo engrandecimento pessoal, mas pela glorificação do nome que é sobre todo o nome, o nome de Jesus. O objetivo de todo o trabalho que se faz na igreja é esse, que ao nome dEle seja dada toda a glória. A glória pessoal é perigosa e inspirada pelo Príncipe das Trevas. Este trabalho, enquanto esforço que se faz aqui na Terra, não tem fim, até que o salvo seja liberto do corpo da carne, na morte ou na ressurreição. Por isso o arremate de que não pode haver cansaço em quem o faz.
A Igreja histórica experimentou em vários momentos este problema. Quando se sentava sobre os louros, achando que já havia feito tudo, o pecado e os problemas prevaleciam. Não por acaso a palavra usada no original para não te cansaste é kekopivake" (lê-se, kekopiakes), redobrar o esforço, arrematar o trabalho.
8) Odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio
Odiar aqui é misei`" (lê-se, misséis) que vem de misevw de (lê-se, misséô), aborrecer, odiar, detestar. É utilizada, por exemplo, em Mt 5:43 e 24:10, para falar do ódio entre pessoas, ou entre elas e Deus, o que é uma tônica constante na maioria das 40 ocorrências do verbo. As exceções vão para o ódio ao pecado e suas conotações. Hb 1:9, por exemplo, diz que o Filho, Jesus, ejmivshsa" ajnomivan (lê-se, emissêssas anomian) odiou a iniqüidade. É justamente deste ódio que o texto fala, pois não podemos jogar as pessoas e seus atos no mesmo lugar comum.
Por sua vez, a palavra nikolaitw`n (nicolaitôn) nicolaítas é um termo composto. Vem de ni`ko" (lê-se, nikós), vitória, e laov" (lê-se laós), povo, vitória sobre o povo ou vitória do povo. Conforme a tradição seriam discípulos de Nicolau, um diácono da Igreja Primitiva (At 6:5). Os nicolaítas eram integrantes do clero que buscavam dominar a igreja do Senhor, conforme suas preferências pessoais. A doutrina dos nicolaítas é a ditadura religiosa, é o homem no trono e a denominação no centro. É o papa, bispo, padre, pastor etc. no trono e a denominação no centro dos acontecimentos.
Em Cl 2:18a Paulo havia pressentido este problema quando disse: Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade... Tais líderes imaginavam que a igreja era uma conquista de alguém, quando, na verdade, foi constituída na presciência divina. Historiadores dão conta que Nicolau criou uma casta clerical que estava livre das ordenanças apostólicas, às quais era permitida toda sorte de apostasias. Além disso, ensinavam que os salvos podiam viver como o mundo, já que eram livres em Cristo. Seus ensinamentos se tornaram a base para a doutrina calvinista da segurança eterna. Concebiam que o arrependimento correspondia à confissão de pecados a um padre, que podia perdoá-los, sem a necessidade de santificação diária.
Vamos admitir por um momento a outra conotação do termo nicolaítas, vitória do povo. A famosa democracia religiosa que tantos desejam, esquecendo que Deus é o que rege sua igreja, porquanto anda no meio dos castiçais e prova-os pela sua Palavra, além de a ter comprado com seu sangue. Não, queridos, o governo da Igreja pode até ouvir os membros como parte do processo decisório, mas jamais poderá subordinar seus rumos aos caprichos de quem quer que seja. Jesus é o Senhor da Igreja!
Conclusão
Vemos uma enorme riqueza dos termos aqui utilizados. A carta à igreja em Éfeso abre a série apocalíptica que revela o amor de Deus por sua igreja, e sua preocupação para que nada possa interferir na salvação dos crentes. Os elogios aqui referidos não são louros sobre os quais se acomodar, são motivos de orgulho e parâmetros seguros para quem quer agradar a Deus. Odiar uma doutrina em voga não é ir contra a maioria, é buscar a vontade de Deus. Não podemos admitir, como servos de Deus, desvios doutrinários e permissividade como um desfecho das profecias. Esta é uma mera desculpa para a omissão. O Deus que vive e vê (Gn 16:13) está atento a tais coisas.
Bibliografia
· GINGRICH, F. Wilbur e DANKER, Frederick W. Léxico do Novo Testamento Grego/Português: Vida Nova, 1993
· RIENECKER, Fritz e ROGERS, Cleon. Chave Lingüística do Novo Testamento Grego: Vida Nova, 1994
· Concordância Fiel do Novo Testamento: Editora Fiel, 1994
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