Ela é muito conhecida. Famosa tanto no ambiente cristão quanto secular. Quase todos pastores já pregaram ou pelo menos dela fizeram menção. Os ensinadores tiram lições e mais lições do seu relato. A Bíblia a chama de “a parábola do filho pródigo”. Eu, por outro lado, a denomino de “a parábola do filho inconveniente”.
A parábola é sobre dois filhos. Um deles, o mais novo, em determinado momento de sua vida resolve se rebelar. Afadigado com a rotina diária pede ao pai a sua parte da fazenda. Pretende conhecer novas cidades. Novas pessoas. Novos relacionamentos. Novas culturas. O pai, homem justo e amoroso, não entra em atrito. Apesar do aperto no coração, consente ao pedido. Reparte então a fazenda entre os filhos.
O caçula, agora abastado e com a bolsa repleta de tesouro, parte rumo a uma terra longínqua e desconhecida, à procura de coisas e pessoas nunca vistas. Uma festa aqui, outra ali, outra acolá. Bebida, comida, farra e mulheres. O dinheiro rapidamente com o vento se vai assim como os falsos amigos e as mulheres. E num piscar de olhos resta somente um bolso vazio e um coração amargurado. Sem ter o que comer, beber, vestir, nem onde morar.
Ele então sai à procura de emprego. Distribui o seu “curriculum”. Faz entrevistas. Procura várias “empresas”. Mas nada de empregos de chefia, gerência ou coisa parecida. Nem ao menos um trabalho de operário qualquer ou talvez um ofício de pastorear ovelhas. Portanto, sem essa de salários altos e cargos de confiança. Sobra somente uma função que ninguém, quase ninguém gostaria de fazer: apascentar porcos. O filho de um rico fazendeiro dorme agora com os porcos. Acorda com os porcos. Alimenta-se com os porcos. Suja-se como os porcos. Enfim, vive como um porco.
O tempo passou, e, felizmente, um dia ele cai em si: “Até os trabalhadores do meu pai têm pão em abundância e eu aqui dando uma de tolo perecendo de fome. Não! Isso não pode continuar assim. Levantar-me-ei e irei ter o meu pai e direi a Ele: Pai, pequei contra o céu e perante ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; faz-me como um dos teus trabalhadores”.
Pronto. Ele estava arrependido. Tudo estava planejado para o seu regresso. Ele sabia o que fazer e falar. Assim como havia planejado ele o fez: Levantou-se e pegou o caminho de volta para a fazenda. O pai ao vê-lo de longe, comoveu-se de íntima compaixão. O filho, então, lançou-se ao seu pescoço e o beijou e começou a dizer aquilo que havia preparado: “Pai, pequei contra o céu e perante ti; já não sou digno de ser chamado teu filho…”.
Mas antes que ele terminasse a última parte da frase original, “faz-me como um dos teus trabalhadores”, seu pai irrompeu ordenando aos servos: “Tragam depressa a melhor roupa e, vistam-no e, ponham um anel em sua mão e sandálias em seus pés; e mais, tragam o bezerro cevado, matem-no, e, comamos e nos alegremos. Porque este filho estava morto e reviveu; estava perdido e foi achado” (Mt. 15.23,24).
Que parábola maravilhosa. Que fim magnífico. Que final feliz! Alguém pode imaginar, pensando que a estória já terminou, no entanto, ainda não chegou o fim. Jesus continua: “E o seu filho mais velho estava no campo (…)” v. 26.
Mas que coisa, ainda existe o filho mais velho? Ia esquecendo que a parábola é sobe dois filhos. Por que essa parábola não acaba por aqui mesmo? Ela tá tão bonita! Tão perfeita! O final é feliz! Por que logo agora aparece esse irmão mais velho? Nós podemos objetar.
Mas não tem jeito. O irmão mais velho existe. E ele entra em cena. Qual uma mosca encontrada numa deliciosa refeição ou a visita impertinente no turno da noite, ele surge nas linhas finais da parábola. Um coadjuvante estranho. Até posso vê-lo saindo do campo depois de um dia de trabalho. Cansado. Suado. Olhos semi cerrados. Traz uma ferramenta de trabalho na mão. Esbaforido. Sem ar. Caminha com passos firmes rumo à casa da fazenda. Vários servos o acompanham. Parece um pelotão pronto para a batalha.
Por meio de um dos servos fica sabendo o que se passa na casa do pai: “Teu irmão voltou e o teu pai está fazendo a maior festa”. Ele então se indignou. Nem queria entrar na casa. Não queria saber do irmão. Ficou bravo até mesmo com o pai. “Como meu pai pôde recebê-lo? Ela nos deixou. Foi embora. Acabou com o seu dinheiro”.
Pronto. Foi-se o final feliz da parábola. O clima de amor dá lugar ao clima de rivalidade. O ambiente de felicidade dá lugar ao ambiente de hostilidade. No lugar de perdão, agora, por último, temos a inveja. Foi-se o final feliz!
Parece estranho e ao mesmo tempo engraçado (e isso eu percebi enquanto redigia este texto) o fato de que muitas das parábolas narradas por Jesus não terem um final essencialmente feliz. Lembremos da parábola do credor incompreensivo que no fim da história foi entregue aos atormentadores. Ou a parábola das bodas (Mt. 22.01) na qual os penetras foram lançados nas trevas exteriores. Ou a parábola dos lavradores maus (Mt. 21.33). E ainda a parábola das dez virgens (Mt. 25.1), que trágico fim teve as virgens imprudentes!
Refletindo sobre isso se percebe que as parábolas do Mestre são na realidade espelhos da nossa vida; não que o fim último de nossa existência seja a completa infelicidade, isso dependerá obviamente da nossa escolha ante o convite de Salvação de Cristo; espelha, por outro lado, os vários “finais” pelos quais passamos durante a jornada terrena sejam pertinentes ao trabalho, relacionamentos, aspecto financeiro ou no que diz respeito à saúde, e, até mesmo no que tange ao resultado da nossa caminha cristã.
Assim, no momento em que tudo parece bem e lá adiante vislumbramos uma placa de final feliz, logo nesse instante, aparece o filho mais velho. Suado. Esbaforido. Com uma foice na mão. Pronto para estragar o final de uma fase da nossa carreira existencial. Preparado para nos decepcionar. Por isso é que se houve freqüentemente: O casamento ia tão bem, mas separaram-se. Sua saúde era esplêndida, mas foi tomado por uma enfermidade. O trabalho transcorria normalmente, mas foi despedido.
Nossa existência, portanto, não é definitivamente um mar de rosas, cujos “finais” são repletos de felicidade, como querem alguns. Pelo contrário, às vezes, finais existem em nossa caminhada cuja felicidade é ofuscada pela doença, desemprego, morte ou outros fatores que nos levam ao sofrimento.
Nesse sentido, portanto, a P.F.P. (Parábola do Filho Pródigo) é também um reflexo da nossa vida, cujo final feliz foi apagado pela raiva do filho mais velho, eis o motivo pelo qual eu a chamo de P.F.I. (Parábola do Filho Inconveniente). Aquele filho que transforma momentos sublimes em momentos de terror. Tempo de alegria em tempo de tristeza. Hora de riso em hora de pranto.
O filho inconveniente na parábola não é aquele que erra e gasta toda a sua parte da fazenda pelo mundo afora. Mas sim aquele que não aceitou o arrependimento do irmão, tampouco o perdão concedido pelo pai. É aquele irmão legalista e meticuloso que não aceita de forma alguma a graça divina. É aquele que não concorda com o inexplicável amor do pai. O filho inconveniente é aquele que tem inveja. E como disse Rubem Alves, inveja é uma “doença do olhar”, pois consiste em um olhar torto, olhar distorcido.
Por isso, ninguém gosta de um irmão que lhe olhe torto, pois ele sempre trará um trágico fim para as nossas histórias. Ele é impertinente e inconveniente. Mas não tem jeito, ele existe. Não há como apagá-lo da parábola muito menos de nossas vidas, e, quando menos se espera ele aparece.
Nesse sentido portanto, e, sabendo que talvez você não concorde comigo, terminarei esse texto nesse ponto: num ambiente de final-não-feliz. Com a memória de um filho inconveniente rasgando um cenário de festa e alegria entre o pai e filho. Sei que você possivelmente não assentirá com a minha atitude, afinal gostamos dos finais felizes e desfechos deslumbrantes no estilo cinematográfico. Mas se eu escrevesse somente o que os leitores gostaM de ler, eu estaria fazendo uma simples conveniência: escrevendo para as pessoas sentirem-se felizes. Até que eu gostaria, colunistas são fascinados por essa possibilidade. Mas não posso; pois se eu o fizesse estaria sendo medíocre e insensato. Estaria pintando a vida com uma tinta cor-de-rosa.
O correto, então, não é fazer de conta que eles não existem, mas enfrentá-los. O ideal não é acabar com os filhos inconvenientes, mas sim superá-los.
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