quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Porque evangelizar grupos minoritários, ou A urgência de missões na globalização

André Filipe Aefe!
foto by Jimmy Nelson, em Papua Nova-Guiné. in: "Before they pass away"

Evangelização e missões | Quando falamos em evangelização, normalmente estamos falando em algo mais abrangente como a pregação do evangelho a cada indivíduo da terra. Quando falamos em missões, falamos em algo mais específico como a pregação do evangelho a cada povo da terra. A evangelização ocorre na prática ordinária da igreja. O evangelho vai sendo pregado a cada indivíduo da terra através do testemunho individual de cada cristão em seu contexto. Missões, no entanto, requer preparo e envio de missionários.
Pela evangelização da Igreja de Antioquia, o evangelho poderia se espalhar pelo mundo como quando uma pedra é lançada na água, e a circunferência da onda gerada pelo impacto vai crescendo pouco a pouco. Em Atos 13, no entanto, o Espírito Santo ensinou à Igreja a necessidade do envio de missionários. A igreja não iria se espalhar somente através de um único ponto centrífugo, mas sim lançando pedrinhas para que o Evangelho se espalhasse por meio de vários eixos. Foi deste modo que a Igreja chegou em Chipre, na Ásia menor, na Europa e até nós. O envio de missionários é necessário porque, em determinando ponto, a evangelização ordinária encontrará barreiras, a onda é barrada por fronteiras, sejam elas geográficas, culturais, linguísticas, sociais etc. Por isso, se enviam missionários. O missionário é, portanto, aquele que transpõe barreiras para a evangelização.

Pieter Bruguel "A mais antiga torre de Babel"
Globalização e grupos minoritários | Nos dias atuais, no entanto, podemos ser levados a pensar que, com o progresso da globalização e com a uniformização das línguas e das culturas pelo mundo, as barreiras se tornam cada vez menores e o evangelho pode chegar a cada indivíduo sem qualquer impedimento, sendo missões algo desnecessário. Segundo relatório da Unesco, de 2001, mais de 50% das 6.800 línguas faladas no mundo correm risco de extinção, e segundo algumas estimativas, uma língua morre a cada 15 dias. E ainda, segundo um artigo científico publicado em 2003 pela Nature, 7,1% das línguas faladas no mundo estariam numa categoria de “criticamente ameaçadas(1)”. Agora, considerando o contexto brasileiro, segundo o linguísta Aryon Rodrigues, todas as 180 línguas indígenas “estão sujeitas a pressões muito fortes e pode-se considerar que todas estão ameaçadas de extinguir-se no decorrer deste século(2)”. Ainda, segundo o Relatório 2010 do Departamento de Assuntos Indígenas (DAI-AMTB), 48% das etnias indígenas vivem próximas a áreas urbanizadas ou em áreas urbanas e 111 etnias urbanizadas ou em processo de urbanização. Diante destes dados, as barreiras culturais não estariam diminuindo e a evangelização se tornando mais fácil? A cada dia que passa, culturas minoritárias são engolidas por culturas majoritárias e o mundo vai ficando cada vez mais homogêneo. Será que para a igreja esta é uma boa notícia? A globalização não estaria diminuindo as barreiras para a pregação do evangelho? Gostaria de responder a esta questão à luz da narrativa da torre de Babel.
A partir de Gênesis 4, vemos a humanidade seguindo duas gerações bem distintas: de um lado a geração de Caim, que desenvolveu a civilização antiga de maneira rebelde ao Deus da criação, seguindo seu próprio caminho. De outro lado, por sua vez, a linhagem de Sete, a linhagem da Aliança, que se manteve distante da perversidade de seus irmãos. Mas
Gn.6.1-9 nos mostra que essa linhagem se desenvolveu construindo uma civilização tão perversa e imoral que a própria linhagem da Aliança se corrompeu, a ponto de restar um único justo em toda a humanidade, tal era a força atrativa do Império surgido. Como castigo, mas também como graça, para preservar a linhagem de Noé, Deus destruiu todos os iníquos, e recomeçou a linhagem a partir dos três filhos de Noé: Sem, Cam e Jafé, reservando a linhagem de Sem para seu povo. No entanto, rapidamente se ergueu novamente a civilização da iniquidade, cooptando os justos. A enorme Torre de Babel é, então, arquitetada sob dois fundamentos: a criação de um Império universal, e o renome humano, em rebeldia ao Deus da criação. Desta vez, ao invés da destruição universal, Deus decide lançar mão de outro castigo, que guardava consigo graça abundante: ele divide os povos em culturas e línguas, e os espalha pela terra. O princípio é claro: num mundo debaixo do pecado, a humanidade unida alcançaria tal Iniquidade que sua violência seria uma tragédia para si mesma, e principalmente para o povo de Deus.
A idéia por trás daquela que diz que quando a “civilização" chega aos diversos povos facilita a evangelização, o que está por trás é a idéia de que vivemos numa cultura santa, e que ser um “homem civilizado" é quase a mesma coisa que ser um cristão. Esperar para que a globalização adeque todos os povos numa mesma cultura e língua para então evangelizar é um risco muito grande para a igreja. A igreja deve abolir qualquer tentativa de imperialismo de qualquer parte, seja através do domínio político, linguístico ou cultural. Evangelizar uma cultura distante pode parecer o mais difícil a curto prazo, mas a diversidade dos povos, dos poderes e da cultura é favorável à promoção do evangelho a longo prazo. A concentração de poder e a homogeneidade da cultura sempre sera ímpia, mesmo quando influenciada por princípios cristãos. Uma hora ou outra ela se voltará contra a igreja. O tempo do apóstolo Paulo vivia sob uma globalização semelhante. O Império Romano havia conquistado o mundo inteiro e o tinha integrado por estradas e uniformizado a língua. Paulo e a igreja foram favorecidos por esta concentração de poder a curto prazo. Ele se livrou de feras selvagens e de ter que se infliltrar em densas florestas, pois as estradas estavam abertas. Ele também não precisou aprender novas línguas, pois o grego era entendido em todo o Universo romano. No entanto, em pouco tempo, o Império se tornou hostil à igreja, e o que poderia ser simplesmente uma perseguição local, tornou-se uma perseguição mundial. A concentração de poder e a massificação da cultura sempre será desfavorável ao Evangelho.
Veja o caso da ONU, em que há certo aspecto de poder político universal. Contendo certa influência do cristianismo, são inegáveis os avanços em direitos humanos ao redor do mundo por intermédio dessa organização. No entanto, a longo prazo, ensina a história, ela vai se voltar contra o cristianismo. Isso já é possível deslumbrar com recentes sugestões às nações a respeito do casamento homossexual. Outro exemplo é o imperialismo cultural americano. A princípio isto parece favorável, pois os EUA possuem valores cristãos em suas bases. No entanto, o que se exporta por todo mundo, até às regiões mais longínquas da terra não é o evangelho, mas sim uma cultura consumista e pervertida, imoral e violenta, que escandalizaria as comunidades mais tradicionais pelo mundo, mas faz a cabeça das novas gerações. Um terceiro exemplo é o do avanço de uma religião universal. Uma coisa é um missionário pregar a uma cultura cuja religião seja local, outra coisa é ser envolvido sobre uma religião mundial. O exemplo é duplo, tanto o avanço do islamismo quanto o avanço do ateísmo provam a dificuldade que traz a globalização universal. A globalização universal facilita a divulgação destas outras doutrinas religiosas também, e elas terão proeminência sobre o cristianismo, pois o Império de Babel sempre favorece uma religião rebelde ao Deus verdadeiro: “os produtos imorais e não-religiosos de uma nação são tão destrutivos quanto aqueles de uma humanidade unida (...) muitas religiões falsas são melhores do que uma só, já que uma paralisa a outra(3)”.
Além do que dizemos acima, que os povos unidos sob uma única cultura se tornarão mais fortes e ímpios quando unidos, há ainda outro agravante que a globalização traz. A história tem contado que a apropriação das culturas minoritárias pelas culturas majoritárias produz desintegração da cultura minoritária, de um lado, integração da cultura majoritária nos seus aspectos mais perversos, como a imoralidade e a violência, e a não integração nos aspectos de humanidade. Um exemplo para ilustrar é ver o que vem acontecendo aos povos indígenas próximos às cidades. Eles se desintegram da rica cultura em que nasceram, perdendo suas canções, suas histórias, seus artesanatos etc; se integram à cultura pelo materialismo, pelo alcoolismo, pelas drogas, pela prostituição; mas não se integram quanto às oportunidades de educação, de trabalho e de demais direitos, deixando essas comunidades com graves carências sociais.
Sendo assim, tanto porque a globalização fortalece o lado mais perverso das culturas, e se torna uma potência cada vez mais forte contra a igreja, quanto porque a apropriação das culturas minoritárias a levam a um estado deplorável socialmente, o envio de missionários, e de maneira específica às culturas minoritárias, não apenas não é desnecessário, mas é urgente! Levar o evangelho às culturas enquanto ainda não intoxicadas por culturas maiores é antes uma obediência a Cristo e uma valorização às riquezas da graça de Deus disseminadas nas mais diversas culturas, do que desperdício de vida e de recursos.
O resultado será magnífico. A vinda do Cordeiro, o retorno de Cristo está pintado em Apocalipse: “Eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro” (Ap.7.9). A Segunda vinda e a adoração universal em nada será parecida com os shows gospel, cuja cultura uniformizada é cantada da mesma maneira em todo o mundo, e será mais parecida com o Pentecoste, em que cada um cantará em sua própria língua, vestido de sua própria cultura, em torno de sua própria tribo, clamando “em grande voz, dizendo: ‘Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação” - Ap.7.10.
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1. GERARQUE, Eduardo. Diversidade sob risco de extinção. in: Biblioteca entre livros: línguas. São Paulo: Duetto, p.94-97.
2. RODRIGUES, Aryon. Línguas indígenas brasileiras ameaçadas de extinção.
3. DELITZSCH, APUD: VOS, Geerhardus. Teologia Bíblica do Antigo e Novo Testamentos. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p.81.

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