segunda-feira, 6 de junho de 2011

Uma certa Frida

Tua aparência frágil me encantou. Confesso nunca ter olhado muito bem. Agora esses teus olhos enigmáticos me fitam. És enfermeira, eu sei, sabes traduzir dores e anseios. Não é isso que me prende tanto a atenção agora, essa tua profissão. É que sendo bem sucedida como dizem, chegando a ser chefe de um hospital, largaste tudo e vieste pra cá, depois de uma guerra... Certamente é uma ocasião em que há muitos feridos para cuidar. Eras tão jovem, apenas 26 anos. Não pensavas em casar, ter filhos, família aí mesmo? Quem sabe, te projetar profissionalmente?

O que te cativou? Seriam os trópicos? Sei que em teu País o inverno é pesado... Não foi a floresta, pois aí a tinhas. Não foram os peixes. Aí tens a deliciosa truta e o inigualável salmão. Não foi o trem, rangendo em seus trilhos, pois também os há de onde vieste. Certamente não foi o desenvolvimento. Teu país produzia tecnologia quando o restante da Europa ainda engatinhava. Agora mesmo estamos querendo os caças produzidos aí! Custo a acreditar que algo subjetivo te movia, quando Petrus, aquele visionário impulsionador de jovens talentos, apenas te admitiu para estudares a Palavra de Deus. Sendo mulher e solteira as coisas ficariam um tanto difíceis. Aliás, quando decidiste vir ao Brasil, sabias que aqui não eras bem vinda. Apesar do provável apoio dos missionários de tua denominação, especialmente teu futuro marido, havia o machismo enrustido dos nordestinos. Era o prenúncio desta briga insana e mesquinha que hoje nos divide, insultando tua memória. Só restaria dinheiro e sucesso, mas a história mostra que apesar de carregares o piano, uma expressão criada por um sociológo brasileiro, para descrever tuas agruras com um marido doente, pouca ou nenhuma laúrea recebeste. Então, o que seria?

Imagino-te a implorar a Deus por um destino, abrasada pelo Espírito Santo. Tuas lágrimas e tuas orações tomaram forma quando conheceste Gunnar, então tudo se aclarou. Era o destino unindo a vontade de Deus com uma obra de tal dimensão jamais igualada por quaisquer outros missionários. Ainda que fosse somente por ele, nada te diminuiria. Ao contrário dos bons partidos líderes de hoje, filhinhos de papais-pastores, aquele homem doente e pobre nada teria a oferecer a não ser amor, cuidado, compreensão e carinho. Ele não estava construindo uma empresa, estava embrenhado em matas, falando uma nova mensagem a estranhos. Nada tinhas a herdar, como de fato, não herdastes nenhum tesouro neste mundo.

Dizem que eras incansável. Editando jornais, pregando em praça pública, compondo, traduzindo, escrevendo, costurando, falavas dois idiomas. Ouvi dizer que fazias cultos na Casa de Detenção. Ora, se hoje já é dificil a um homem pregar num presídio... Eras corajosa, constato. Ecos da profissão, talvez. Na enfermagem se lida com nada menos que a morte e o sofrimento. Leio relatos assim:
Em março de 1920, irmã Frida foi acometida de malária, sofrendo com terríveis ataques de febre. Durante dois meses e meio, a luta pela vida foi tamanha, a ponto do marido pedir que Deus a curasse ou a levasse para si. Nesse período, a igreja em Belém se colocou em oração e jejum, esperando de Deus um milagre, que ocorreu em 3 de junho de 1920. Depois de seu restabelecimento, ela enfrentou o problema de saúde do marido.
Imagino-te uma esguia figura de vidro diante dos ventos tenebrosos do começo. Em nada lembras as suntuosas madames de hoje em dia, preocupadas com festas e poder, que presentes ganharão nos aniversários ou onde jantar no fim de semana. Sabias que cantoras evangélicas como tu, hoje são chamadas de divas!? Nos tornamos chiques demais para teus padrões. Roupas caras não eram teu forte, inferimos das poucas fotos que nos restam.

Volto a olhar-te. Estes teus olhos não são lascivos como o de algumas obreiras. São olhos ensimesmados. Ciosos de um mundo a ganhar. Olham para um horizonte tão vasto cuja dimensão somente a eternidade vai revelar. Como se dissessem: Não nos decepcionem, sofremos muito por vocês. Ou quem sabe: Não nos olhem com piedade, façam sua parte da história, sem olhar pra trás. Não sei bem como interpretá-los, há tantas possibilidades, não é mesmo? Talvez estavas apenas olhando pelos teus, para que saíssem bem na foto. As mulheres tem esse dom.

Reverencio-te, comparando-te às muitas nobres senhoras de nossas igrejas. Aquelas que eram dez, vinte, cinquenta e depois multiplicaram-se por mil. Não vieste apenas fazer turismo, disfarçado de missão, estavas a serviço de um Deus que nunca te desamparou. Estavas certa quando largastes tudo. Do alto dos teus 49 anos padeceste tua dose final de humanidade. Sempre jovem para tudo o mais, até mesmo para dizer adeus. Como afirmas em um dos teus hinos: Se Cristo comigo vai, eu irei...

Somos fruto do incansável trabalho das tuas mãos, que Deus não é injusto para esquecer. Certamente ouviremos teu nome quando estivermos diante de seu trono. Então poderemos te conhecer pessoalmente, quem sabe te abraçar ou, melhor ainda, todos assembleianos brasileiros estaremos juntos e poderemos retribuir teu olhar. Ao menos a massa simples não vai te envergonhar.

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