quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Profissionais em missões: universitários e profissionais estratégicos para a evangelização mundial

André Filipe, Aefe!
site: www.imagemesemelhanca.com
Publicando na Revista Alcance (APMT) 4º Trimestre de 2010.

Mais da metade do mundo está fechada para o missionário convencional (…). Inúmeros desses mesmos países acolhem com satisfação estrangeiros que possuam habilidades que lhes sejam úteis. Grande número dos povos não alcançados de todo o mundo jamais ouvirá a Palavra a menos que cristãos com habilidades profissionais se disponham a ir e fazer com que Jesus Cristo seja anunciado em seu meio”1.

Na epidemia de cólera que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1855, e na epidemia de febre amarela, em 1858, ele teve um papel muito importante, como médico cirurgião; e em 1859, ele batizou duas damas da Corte Imperial. Em Funchal, em Portugal, abriu um hospital de doze leitos e serviços de clínica e farmácia gratuitos para a população pobre. Na Ilha da Madeira, fundou várias escolas de alfabetização, chegando a atender mais de 2500 pessoas. Foi também “pioneiro do presbiterianismo na Madeira e do Congregacionalismo no Brasil, e um dos primeiro médicos missionários na história de missões2”: Dr. Robert Kalley, missionário.
Conhecido como fazedor de tendas, profissional em missões, missionário biocupacional ou profissionário, este perfil abrange o missionário com uma formação não religiosa, com direção ministerial transcultural e estrategicamente colocado para exercer a dupla função de evangelista e profissional. Biblicamente falando, não é necessário nenhum malabarismo para encontrarmos respaldo para esta atividade, quando convergimos o conceito de Reino de Deus, trazido com Jesus, à ordem de se espalhar este evangelho ao mundo, e o uso de estratégias missionárias diversificadas, utilizadas por Paulo (de onde vem o termo Fazedor de Tendas), mas também por José, no Egito, Daniel na Babilônia etc.
Aqui no Brasil, também, não há novidade. Délnia Bastos, da Interserve3, descreve a história deste perfil missionário em três ondas: a primeira onda (1885-1950), dos estrangeiros chegando ao Brasil; a segunda onda (1950-2000), dos profissionais brasileiros comprometidos com a missão; e a terceira onda (dias atuais), em que começam a surgir organizações, congressos e articulações mais amadurecidas, como a criação da Associação de Fazedores de Tendas do Brasil (AFTB), ligada à ABUB4.
No recente Congresso de Lausanne, em Cape Town, um dos pontos discutido foi justamente as “pessoas não-ativadas”, isto é, cristãos profissionais, em seus empregos, que não exercem influência evangelística. Em documento publicado no site do Congresso, e traduzido para o português, vemos que “este chamado (ser sal e luz) não faz distinção entre trabalhadores, profissionais liberais, cristãos em igrejas ou agências missionárias, ou aqueles que têm ocupações comuns (…) viver a fé vai além de ser bom exemplo no trabalho. O chamado para fazer discípulos clama para que vivamos a fé deliberadamente, convidando outras pessoas para se unirem a nós, na nossa jornada cristã.5”.

Possibilidades

O profissionário é, sobretudo, uma arma estratégica nas mãos da igreja. Atualmente, 80% dos povos não alcançados são regiões que perseguem a igreja de Cristo, impedindo a entrada de líderes religiosos. A entrada do missionário como um profissional fura este bloqueio.
Ruth Siemens, fundadora da ABUB, aponta algumas possibilidades da formação secular como estratégia para missões em contextos perseguidos, como o trabalho secular assalariado no estrangeiro, papel que a Interserve tem buscado mobilizar aqui no Brasil; o missionário auto-empregado, como o Dr. Kalley, já citado, que é um empreendedor no país estrangeiro; e o estudante bolsista em outro país.
Mas, para além do “missionário cavalo de tróia”, para regiões cujos países são perseguidos, há os países pobres, regiões necessitadas de profissionais das mais diversas áreas, sobretudo nas áreas da saúde e educação. Rosa Maria, missionária dentista pela APMT no Senegal, já atuou com sua profissão em presídios, creches, casas de recuperação, entre os povos ribeirinhos do Amazonas, Pará, Roraima etc. Devido ao seu papel peculiar, que impede o paciente de questioná-la, ela prega o evangelho enquanto trata as bocas dos pacientes: “Remove-se uma cárie de um elemento dental, associa-se com o pecado. Faz-se uma restauração, associa-se com o perdão dos pecados; boca em ordem, associa-se com cliente pronto para aceitar Jesus e divulgar as Boas Novas”. Atende gratuitamente em regiões muito pobres na África, onde “a população não dispõe de recursos para ir ao dentista, além de que também não há dentista aqui”.
Priscila Rondan Napoli, pela APMT em Timor Leste, é formada em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e dá aulas neste país ex-colônia de Portugal. A formação é uma porta aberta para comunicar o evangelho e que também possibilitou visto no país. Tanto ela como seu marido são professores contratados pela Universidade Nacional do país: “Em uma de minhas aulas do curso de português, reuni mais de 40 jovens e pude falar abertamente e demoradamente sobre o amor de Deus”.
Outras possibilidades para auxílio conectando a missão transcultural com a formação universitária é o auxílio de base, seja equipando a própria agência missionária, seja servindo na missão, ou também como lingüistas tradutores da Bíblia, educadores que preparam apostilas de alfabetização, desenhistas etc.

Requisitos
É importante, no entanto, ressaltar alguns requisitos para este tipo de atividade, quebrando alguns mitos. O principal deles é o de que o fazedor de tendas é independente financeiramente. Mesmo a Priscila, que trabalha pela Universidade nacional, afirma: “o serviço que oferecemos à comunidade é gratuito, apenas na universidade recebemos uma ajuda de custo que cobre o gasto somente com o transporte”. O profissional em missões deverá preencher os três principais requisitos de qualquer missionário: sustentado, capacitado e enviado.

- Sustentados: um profissionário pode até ser auto-sustentado, desde que o seu emprego remunerado esteja como parte de seu alvo missionário. Mesmo assim, são muito poucos os que vivem deste modo. Ele também pode ser parcialmente sustentado quando o salário não é suficiente, mas o trabalho é importante no projeto. Então, a igreja deve auxiliá-lo no complemento. Porém, um profissionário deve ser sustentado integralmente pela igreja quando atuar numa comunidade tão pobre que não poderá sustentá-lo. Outra forma é o auxílio financeiro da igreja somente com as despesas de projeto, como a construção de um templo, aparelhos para clínica, uma emergência, etc.

- Capacitados: Délnia chama a atenção para o fato de que o profissional deve ser excelente em seu serviço: “não se pode fingir de profissional e muito menos ‘usar’ a profissão apenas para obtenção de visto#”. Além do mais, é imprescindível ao missionário transcultural pelo menos três áreas de treinamento à parte de sua formação: treinamento missiológico, fundamental para enfrentar os desafios de uma outra cultura; teológico, para enfrentar os desafios da apresentação do Evangelho e formação de discípulos; e linguístico, para enfrentar o desafio de línguas muitas vezes sem, sequer, uma gramática. Pode ser um problema de orgulho não se sujeitar ao treinamento não universitário7.

- Enviados: outra característica do fazedor de tendas é que ele deve ser enviado por igrejas, mesmo no caso de ser auto-sustentado. Ir ao campo sem uma igreja pode ser também um problema de orgulho. O missionário precisa da cobertura de oração que as igrejas oferecem e precisa prestar contas a elas. O profissional precisa, também, ser agenciado. As agências missionárias, na maioria das vezes, estão preparadas e têm experiência logística e pastoral para auxiliar os missionários numa emergência, como uma guerra que estoura de repente, um grave acidente onde não há hospital, etc.

Vocacionados
Se você é um estudante universitário, ou vestibulando, e tem convicção de que o Senhor o chamou para servi-lo em um contexto transcultural, é importante estar atento a alguns conselhos importantes. Não espere ser um missionário entre indígenas se você não testemunha a seus colegas de classe. Envolva-se com os grupos de evangelismo em sua Universidade. Também, para não correr o risco de escoar pelos inúmeros buracos no encanamento de vocacionados que entram na Universidade, mas que, ao final, abandonam a vocação, busque participar de eventos missionários, congressos, conversas com missionários e outros vocacionados; leia livros e revistas sobre o assunto. Se for possível, não perca a oportunidade de participar de viagens missionárias em suas férias de faculdade. Se você estiver trabalhando, foque no seu ministério futuro e faça uma poupança para os primeiros gastos na mobilização e em seu treinamento. E finalmente, se possível, separe o último ano de faculdade para auxiliar em alguma missão ou agência missionária próxima de sua universidade. O risco de estar estagiando ao findar do curso é ser seduzido pela promoção, ou amedrontado pelo desemprego.
A respeito da identidade do biocupacional, se dentista, linguísta, advogado, designer etc, terminamos com uma resposta inspiradora do Rev. Ronaldo Lidório à revista Ultimato, quando indagado da seguinte pergunta: “ULTIMATO: O que você é: missionário, missiológo, antropólogo, indigenista?”
“LIDÓRIO: A convicção do chamado ministerial é o que enche meu coração. A antropologia e a missiologia são instrumentos de trabalho muito úteis em diversas situações e projetos, porém estar envolvido com a missão de Deus para a minha vida é insubstituível. Nas palavras de Woodfor, títulos e funções não saciam nossa alma. Apenas a certeza de seguir o caminho de Deus o faz. Sou missionário”.

Notas:
1. SIEMENS, Ruth. Opções seculares para o trabalho missionário. In: WINTER, Ralph D. e HAWTHORNE, Steven C. Missões transculturais: uma perspective estratégica. São Paulo: Mundo Cristão, 1987. Pag. 944.
2. CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil: dos jesuítas aos neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000. Pag. 82.
3. Interserve: organização missionária internacional com mais de 750 profissionais missionários espalhados pelo mundo.
4. BASTOS, Delnia. Profissionais missionários do Brasil: uma história que está sendo escrita. Encontrado em 31/10/10 no site: http://www.ejesus.com.br/
5. KOTIUGA, Willy. Pessoas no trabalho: preparando-se para ser a igreja global. In: http://conversation.lausanne.org/pt/advance_papers
6. Idem 4.
7. LIDÓRIO, Ronaldo. Formação Missiológica ou treinamento missionário. Cf. site. www.ronaldo.lidorio.com.br
8. Entrevista: Ronaldo Lidório. Ultimato, novembro-dezembro, 2006. Viçosa, Ultimato, pag. 51.

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