terça-feira, 10 de agosto de 2010
A Dúvida de Godot - Um Ensaio
Um Ensaio de João Tomaz Parreira
Há duas décadas, a 14/11/1988, a revista Newsweek fazia a recensão crítica da peça À Espera de Godot, levada à cena na Broadway e protagonizada por dois geniais actores, Robin Williams e Steve Martin. Não sendo a Newsweek uma revista literário-filosófica, não foi porém surpresa ler que o texto de Samuel Beckett era a mais famosa peça do século.
Talvez tenha sido surpreendente, sim, ler os questionamentos que o articulista e crítico teatral colocava sobre o significado da personagem, uma espécie de deus ex-machina que nunca aparece em cena, Godot. Perante a espera do misterioso Godot, perguntava-se se seria Deus? A Morte? A oferta de emprego?
Tendo chocado audiências no início da década de 50, inquiria-se se não seria outro o significado, se Godot não era um conceito, uma «espécie de Ocidente», que perante as ruinas da 2ª Guerra Mundial e dos escombros éticos e morais que o nazismo deixara, não seria um retrato moral da humanidade em crise e, aparentemente, sem respostas? Supostamente, a peça apresentava ao mundo ocidental, que este estava estruturado no desconcerto de uma máxima beckettiana: «Não há nada no mundo mais cómico do que a infelicidade».
De tudo o que se pode tirar dessa peça teatral chamada «À Espera de Godot», do fôlego inoperante das suas duas personagens principais e, por isso mesmo, passível de se apropriar pela nossa ética protestante e evangélica, temos a dúvida de uma procura, que está disfarçada de «espera».
A conhecida repulsa da doutrina protestante pelas artes visuais e pelas artes da representação teatral, no decorrer do século XX, oriunda do protestantismo ascético que na Europa desde o século XVI era puritano, nunca ajudou a que se analisasse essa obra do dramaturgo, romancista e poeta irlandês. Nesta considerada a mais significativa peça do absurdo, de Samuel Beckett, não se espera, como tudo leva a crer, mas, sim, procura-se. Neste aspecto pode ser vista como para-religiosa.
As personagens procuram conhecer quem é ou o que é esse Godot, o qual esperam, numa repetição dos dias, inúteis e sem sentido ou sem esperança como no trabalho de Sísifo. Uma tarefa que a literatura dita ateísta não descarta e assume como unhope, palavra significativamente utilizada pelo poeta Thomas Hardy, que escreveu um poema (In Tenebris ) sobre a desesperança.
negra é a noite de enfrentar;
mas a morte não vai desconcertar
aquele que, sem a menor dúvida,
espera na desesperança
Esperar sem esperança é, na sua essencialidade, esses dois dias consecutivos nos quais um par de homens patéticos afirma pelas palavras e pela mímica esperar um ausente, que se chama Godot.
A ausência de Godot, bem como numerosos outros aspectos da peça, deram origem a várias interpretações desde o dia da estreia teatral, ocorrida em Paris, em 1953. «Não posso explicar as minhas obras. Cada um deve averiguar por si próprio o que entende nelas»- afirmou Beckett.
Os insucessos da expectativa são os ingredientes, a intriga da peça. Ambos os principais personagens esperam expectantemente e sem sucesso por alguém. Enquanto isso ocorre, isto é, nada ocorre, procuram e discutem, procuram não a substância e o fundo de quem ou do que esperam, mas os significados colaterais. Curiosamente, até discutem o «arrependimento», a partir dos Evangelhos. Ler e utilizar o conteúdo salvífico de um episódio dos Evangelhos em uma peça deste tipo, é ter diante dos olhos um argumento que se revela contrário ao ateísmo, ou no mínimo ao agnosticismo aqui representado na espera de deus ex-machina ou de um deus-absconditus.
Não temos forçosamente que ler Godot como sendo Deus, mas que esta peça de Beckett não é ateísta, não é.
© J.T.Parreira
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