sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A Fissão dos Idiomas



Por João Tomaz Parreira


A separação dos idiomas, segundo a Bíblia Sagrada, começou com uma construção civil simbólica, e tornou-se um significado a que um significante deu todo o sentido: Babel. Este substantivo, que por si só ultrapassa a simples qualidade do morfema, daria origem à batalha dos idiomas, até hoje.
Só para dar um exemplo actual, é o que se prefigura como quase colapso do inglês em confronto com a língua hispânica, nos Estados Unidos.
Com efeito, toma-se em linha de conta a importância dessa língua e que «o Latino é uma nação dentro de outra», segundo o Instituto Cervantes. Assim, fala-se mesmo da «irresistível invasão dos hispânicos», cuja língua já ocupa 12% dos lares norte-americanos. Ora este facto presente tem também implicações na forma, no contéudo e nos meios usados para a proclamação do Evangelho e dos valores éticos e morais veiculados pela Palavra de Deus naquele país.
No mundo globalizado, cada vez mais é necessário que a Palavra divina seja compreendida, sem confusão, na própria linguagem de cada um.


O SIGNIFICADO DE BABEL

Seguindo as várias pinturas a óleo sobre um painel de Pieter Brueghel, o Velho, a Torre de Babel parece estruturar-se idealmente como um lugar gregário, tipo dos modernos blocos sociais urbanos.
"Vamos construir para nós uma cidade e uma torre cujo cume chegue até os céus. Assim nos faremos famosos. Do contrário, seremos dispersados por toda a face da terra". (Gn 11,4)
A uniformidade se estabeleceria e tomaria força contra Deus, era a Terra a disputar os Céus, a habitação do homem a demandar a divina. Esta narrativa bíblica é usada para explicar a existência de muitas línguas e raças diferentes, quando Deus multiplicou os idiomas e confundiu os falantes.Mas enquanto a soberba não subiu do coração aos olhos dos homens pós-diluvianos ,«Toda a terra usava uma só língua e as mesmas palavras. » (Ibidem, 11,1.)
O uso de uma só língua, implicava apenas um código. Era uma linguagem única e comum, sendo que Linguagem é qualquer e todo sistema de signos que serve de meio de comunicação de ideias. A dispersão de que fala o livro do Génesis, foi o arrumar lógico dos grupos de falantes pela Terra, porque a soberania e a sabedoria divinas nada deixaram ao sabor do acaso. Deus «confundiu a linguagem de toda a terra e dali os dispersou por toda a superfície dela.»(Ibidem,11,9)
O conhecido sociólogo Georges Steiner escreveu acerca do confronto entre o que chama a língua do Paraíso, como «um cristal transparente»- que era a língua de Deus- e Babel. «Babel foi uma segunda Queda, tão devastadora, sob certos aspectos, como a primeira»- escreve em «Depois de Babel». (págs 87 e 88, Relógio d’Água.)Alguns milénios a seguir – de acordo com a cronologia bíblica - , a comunicação do pensamento cristão e primeira pregação do Evangelho global a um auditório diversificado, fizeram-se, sem dúvida, com o Espírito Santo usando, não a confusão, mas a transculturalidade.


EM LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

«Ouvimos nas nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus», «porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua» ( Actos, 2, 11 e 6, respectivamente)Havia uma barreira cultural à comunicação do Evangelho, no dia de Pentecostes em Jerusalém. A Língua.Contudo, a linguagem cristã e evangélica, as grandezas de Deus, foram entendidas pelos ouvintes que ficaram aptos a perguntar, compungidos, que faremos varões irmãos?, para isto a barreira da língua teve que ser ultrapassada. Da centralidade de Jerusalém partiu para as margens a Palavra da Cruz, através das várias línguas contemporâneas dos Apóstolos.
A comunicação fez-se com a gramática de Deus, na medida em que a operação linguística era da área do sobrenatural - o derramamento do Espírito Santo e o falar em línguas pentecostal -, não foram necessários tradutores para as línguas maternas dos ouvintes: partos, medos, elamitas, árabes, romanos, cretenses, gregos etc., pertencentes ao que hoje se chama de grupos das línguas afro-asiáticas e indo-europeias ocidentais.
A exactidão da mensagem foi clara e a sua contextualização integrou a história mosaica do VT e o Evangelho de Jesus Cristo, «as grandezas de Deus» que atravessaram a história bíblica de Israel, com certeza desde Abraão até ao Pentecostes. Neste dia, a glossolalia teve um sentido especial, as chamadas «línguas estranhas» foram inteligíveis, prepararam o caminho e os corações para a proto-pregação evangelística do apóstolo Pedro. A comunicação no dia de Pentecostes em várias línguas, perante o primeiro paradigma de uma globalização, não colocou em causa a identidade de cada uma das nações ali representadas, nem a identidade da Mensagem.Babel, como alguém escreveu, «resultou em profunda alienação no nível mais pessoal da comunicação, a linguagem». O Pentecostes, que mudou o paradigma da pregação, mudou também a linguagem. A norma indicava que seria doravante através da inspiração do Espírito Santo de Deus que se proclamaria a Verdade do Evangelho. Na diversidade das línguas comunicou, numa mesma linguagem celestial, a Redenção do Homem. E a Unidade dos crentes em Jesus Cristo como Igreja.

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