quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A religião do socioeconómico


João Tomaz Parreira
Por muito que procurem evidenciar o contrário na estrutura religiosa e popular do seu discurso, existem hoje «igrejas» que ao designarem-se como centros de ajuda espiritual, querem governar Deus. -«Vamos buscar esse Deus- proclamam-, preparem o copo de água».

Nos seus conceitos ditos cristãos, nem Deus, nem Jesus Cristo estão no centro da Revelação, a importância revelacional vai toda para o que é socioeconómico, para não falar de ícones periféricos ( isto é, copos de água, fogueiras santas, monte de Sinai, cruz de fogo, etc.), como transferências do profano para o sagrado ou a necessidade de uma presença «sagrada» visível e palpável, no dizer de Roger Caillois.

O que se tenta fazer, numa homilética manipuladora de massas normalmente carentes, umas, e outras ambiciosas, é a compatibilização do incompatível, teologia e ciência económica, cristianismo e mercado, espírito e matéria, Deus e Mamom.

Alguns desses líderes da ajuda espiritual contribuem, irreflectida e inconscientemente, para o pensamento do século XIX, de Ludwig Feuerbach, segundo o qual todos os conceitos de Deus são invenções humanas, sejam eles cristãos ou não, e se projectam das esperanças ou dos temores humanos.

O homem após ter-se perdido de Deus, «reencontrou-se» em si próprio, é o resultado em palavras simples a que a crítica religiosa de Feuerbach chega. O homem convencido da sua incapacidade de realizar, pelos próprios meios, a verdade, o bem, o amor, projecta esses atributos humanos para fora de si e cria um ser superior a que chama Deus. Assim, conclui o filósofo, esse Deus prejudica a boa vontade do homem.

Entre outras incursões, Feuerbach levou seu pensamento para o materialismo. E com este foi levado à crítica religiosa, e no entanto escreveu a sua obra máxima que foi A Essência do Cristianismo. Mas atenção, como se sabe, esta obra é uma crítica ao Cristianismo, com ela conseguiu fazer que Marx reformulasse o seu idealismo hegeliano e se mudasse para o trono do materialismo. A tal ponto que Engels, o amigo de Marx, saudou assim esse novo materialismo: «fora da natureza e dos homens nada há, e os seres superiores criados pela nossa imaginação religiosa não são mais do que o reflexo fantástico do nosso próprio ser.»

Essa essência do cristianismo não propunha Cristo nem uma teologia, propunha uma antropologia e o Homem no lugar da divindade. O ser humano projectando Deus.
Mesmo agora, uma ideia de Deus começa a tomar forma em vocábulos como «triunfar», «alcançar objectivos», «projectos» e «fé», como palavra mágica. Estes termos fazem parte do discurso, numa dicção suavemente carregada de sotaque das Américas. E pretendem que o Senhor fique às ordens de bispos, pastores, obreiros, que o tratam no mesmo tom de voz, como um Deus que se demove por dicções de pseudo-psicologistas, pelas palavras com lágrimas dentro, e não no sacrossanto Nome do Seu Filho Jesus Cristo.

Salvaguardadas as devidas proporções, porque longe de mim guindar tais centros religiosos à categoria de dotados intelectualmente, existem no entanto auto-designadas «igrejas» que logram criar um deus governável pelos líderes, um deus a quem se manda fazer, determinando já o homem a vitória.

Tais «organizações», evito agora chamar-lhes igrejas, parece que pretendem notabilizar a ideia filosófica segundo a qual Deus é a projecção exterior dos desejos do homem, não já como Feuerbach defendia, do desejo de perfeição do homem, mas de algo que o hedonismo económico e o anseio de prosperidade trouxeram nos últimos 30 anos do século XX, acentuando-se neste início do XXI de uma forma pouco normal.

Um comentário:

Sammis Reachers disse...

Muito interessante esta análise da 'teologia da prosperidade' pelo viés do pensamento de Feuerbach.

Parabéns amigo, precisamos mesmo refletir com profundidade sobre este tema, esta teologia, esta terrível 'fábrica de decepcionados'.