O quadro de Munch não é uma história gráfica da angústia à maneira de Franz Kafka, mas uma coisa leva a outra.
Josef K. no romance O Processo poderia gritar assim. Ou qualquer outra realidade angustiante dos dias de hoje- a crise no meio da ponte-, poderia fazer exprimir assim a ansiedade e a angústia.
Por exemplo, um elevador detém-se automaticamente com um solavanco. As portas deslizam e abrem-se, mas em vez da saída, o passageiro enfrenta apenas uma parede em branco. Seus dedos apunhalam os botões: nada acontece. Finalmente, ele aperta o sinal de alarme. Uma voz brusca, ouve-se: "Qual é o problema?"O passageiro, com a sua voz dentro de uma caixa de ossos e adrenalina, explica que quer sair no 25º andar."Não há 25º andar neste prédio", diz a voz do altifalante. O passageiro argumenta que é um absurdo, ele trabalha aqui há anos. Ele diz o seu nome. "Nunca ouvi falar de você", diz o altifalante."Isto não me está a acontecer", murmura ele. "Eles estão apenas a tentar assustar-me." A situação agora torna-se uma situação de angústia.
Durante séculos de civilização cristã (e não cristã), o homem assumiu a sua culpa e daí a ansiedade, ambas fazem parte da sua natureza, como um ser finito e caído dão-lhe a dimensão da culpa.Os remédios foram e continuam a ser apenas a Graça e a Fé. Quando a Idade da Razão, como suposta primavera pretendeu vir revogar o outono da Queda, o impulso do homem foi voltar a si próprio com uma falsa segurança, e, por um tempo, essa Razão parecia ser um substituto adequado para as certezas da Fé.
O homem colocava-se na posição que Dostoesvsky no seu romance «Os Possessos», faz dizer à personagem Alexis Kirilov: «Se não houver Deus, então eu sou deus.»Mas não é, daí a angústia, porque na anatomia do homem há um buraco que é a forma do grito.Para o existencialista, o grito do homem provém do alegado silêncio de Deus. Kierkegaard, que foi um existencialista cristão, contrapunha que era preciso saber distinguir a voz divina, como Abraão o fez, porque Deus fala.
O silêncio que parece rodear os ouvidos do homem, do qual presume que está no nada caótico do princípio da Criação, ou pior, que Deus está ausente, não é assim um drama – é nesse silêncio que melhor se escuta a Voz do Divino. É o ambiente melhor e mais adequado para se fazer distinguir a Voz original dos ecos, como diria o poeta espanhol Antonio Machado. ( A distinguir me paro las voces de los ecos, / y escucho solamente, entre las voces, una.)
O pensador Miguel de Unamuno, ao pensar também sobre este tema, tem um capítulo (En el fondo del abismo) no seu livro fundamental ao pensamento religioso e filosófico ocidental, «Del sentimiento trágico de la vida», em que a dado passo afirma: «Por desesperação se afirma, por desesperação se nega, e por ela se abstém alguém de afirmar e de negar.Observai os nossos ateus, e vereis que o são por raiva, por raiva de não poder crer que haja Deus. São inimigos pessoais de Deus. Têm substantivado e personalizado o Nada, e seu não-Deus é um anti-Deus.»
E escreve também sobre o anelo vital de imortalidade do ser humano, ora este anelo vital não existe sem Deus e sem que a Sua voz, mesmo através de canais da natureza, como o nosso semelhante, o bébé que chora como um primeiro sinal de mais uma voz no mundo, o universo regulado pela imensa Mão, se faça ouvir no mais recôndito silêncio da nossa alma. E assim da Sua Voz no Mundo por Ele criado podemos passar à Sua Palavra.É o reconhecimento da voz querida que nos leva a anelar as suas palavras, o seu verbo no esconderijo da nossa capacidade da amar, que só a centelha do Espírito divino dispôs em cada um de nós.
Aveiro, 12-7-2009
Extraído do Portal Evangélico
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