sexta-feira, 27 de março de 2009

Todos fomos anti-semitas !


Todos os domingos, os judeus eram atacados. Por assim dizer, cada domingo os sentimentos dos cristãos alemães eram irrigados com o ódio anti-semita.

Incompreensivelmente, os Soontagsblatter impressos entre 1918 e 1933, como semanários religiosos, foram «cultivando» dentro da piedade cristã o joío, com a ideia de que os judeus «eram os inimigos naturais da tradição cristã nacional».

O mundo, para o dizermos de um modo abstracto, foi (é ainda) quase todo anti-semita. Mitigando esta afirmação no que concerne a posições individuais, todos nós, de algum modo subjectiva ou objectivamente o fomos.

Partindo da forma profetizada do livro O Choque de Civilizações ( do recentemente falecido prof. Samuel Huntington, que preconizou este novo paradigma em 1996), a primeira e prevalecente «civlização», segundo a leitura do autor supracitado, foi sem dúvida a Ocidental iniciada no berço dos antigos gregos. Originária na Europa, a civilização ocidental é herdeira das civilizações clássicas grega e romana, que não foram propriamente íntimas do coração judaico.

O Ocidente com a Renascença recomeçara a instalar-se sobre todas as demais civilizações: latino-americana, islâmica, chinesa, hinduísta ou mesmo africana, etc. O Ocidente prevalecia também definido em torno de uma religião, o Cristianismo. O judaismo e os judeus estavam confinados às sinagogas e às judiarias, para não dizer da forma mais histórica possível, confinados aos guetos.

Do lado do Cristianismo, poderia ter havido uma exteriorização inefável de conforto para com os judeus, se a civilização ocidental dita cristã tivesse lido literalmente, sobretudo com sentido hermenêutico, com sentimento de afecto espiritual e humano, algumas das palavras inspiradas do Apóstolo Paulo sobre o posicionamento bíblico dos judeus. Do ponto de vista neo-testamentário e da História, o judeu foi responsável indirecto pela morte de Jesus, mas também foi beneficiário principalmente do facto de lhe terem sido confiados os oráculos de Deus – escreve Paulo na sua Carta aos Romanos.

As inquisições, sobretudo, misturaram a posição dos judeus perante a crucificação de Jesus com a sua natural aptidão para serem o povo da Aliança divina conferida no Sinai e de Moisés. Designadamente as Inquisições portuguesa e espanhola, constituiram-se um caso à parte na história geral da perseguição aos judeus– como escreve A.J.Saraiva em Inquisição e Cristãos- Novos. Ao juntarem o braço temporal-o Rei- com o braço espiritual- o Papa-, esqueceram que, «em teoria, a Igreja não podia obrigar a converter-se à Fé cristã os nascidos fora do seu grémio, como Judeus ou Muçulmanos», como afirma o prof.Saraiva. Tal atitude já antecipava um choque de civilizações nos séculos XV e XVI.

Hoje, é dado mais que adquirido que não existe Inquisição nem Santo Ofício, mas já as não havia nas primeiras décadas do século XX, no entanto as ideologias anti-culturais, isto é, políticas, souberam criar Auschwitz, subvertendo e desintegrando todos os valores e tudo o que era humanidade dentro da cabeça do homem europeu.
Persistem, porém, os preconceitos e, queira-se ou não se queira, há uma consciência latentemente anti-semita.
Na própria história da literatura contemporânea, este assunto não foi escamoteado. Apenas dois exemplos.
Basta ler «Focus» (1945), romance do dramaturgo Arthur Miller. «Um pouco acima dos seus olhos estava traçado com cuidado: Os judeus desencadearam a Guerra. E por baixo: Morte aos judeus».
Estava-se na América, em Nova Iorque. E a figura simbólica do judeu transformou-se no cidadão da nossa rua, acusado arbitrariamente de raça judaica, porque os óculos eram, alegadamente, denunciadores. O judeu parecia continuar a ser uma vítima da própria democracia.
Ou ler um escritor húngaro moderno, mais recente do que Miller, que demonstra a mesma ideia em toda a sua obra literária que abrange os judeus da Hungria, os campos de concentração nazis e a democracia após a queda recente do comunismo.
Imre Kertész foi o Prémio Nobel da Literatura de 2002: uma das personagens de um dos seus livros, Aniquilação, escrito em 2003, afirma «Tenho dois filhos meio judeus, quem lhes vai contar sobre Auschwitz, quem lhes vai dizer que são judeus.»
O preconceito anti-semita não tem altos muros, nem arame farpado com electricidade, nem aniquila em câmaras de gaz ou fornos crematórios, mas estigmatiza psicologicamente e retira a identidade; esse preconceito sonega o ADN. Até às vezes quando é usado como argumento kerigmático, em homiléticas exacerbadas, nas nossas igrejas.
«É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito», disse-o Einstein.
Artigo de João Tomaz Parreira

Nenhum comentário: