Micro
conto
Do alto do terraço, que
recebe toda a luminosidade com que a tarde se espraia e demora nas varandas, David
perguntava com o olhar quem era aquela mulher.
Formosa, num despudor que
talvez não fosse inocente mas sem exibicionismos, apesar da sua beleza jovial. Deixava passar sobre o corpo, na sua leviandade, o frescor da água do banho.
David, pastor de povos,
tinha um enormíssimo rebanho, mas foi logo apaixonar-se por essa pequena
cordeira, e roubá-la ao marido.
A jovem mulher também
passava os olhos, despreocupadamente, pelo
próprio corpo, as suas mãos tocavam-no inocentes, sem ter um rasgo de lucidez que a levasse a pensar que poderia estar a
ser observada. Mas os olhares reais estão acima de qualquer leve suspeita. Um
olhar de soberano pode ser uma ordem, como foi o caso.
O vento não soprava com
força, era um leve ventar, mas os cabelos compridos de Bate-Seba, molhados, não
acompanhavam as voltas e revoltas do vento, eram ornatos negros que se moviam
apenas aos movimentos do corpo.
Fazia-se sentir, no entanto,
nos ramos das plantas ornamentais, nas
talhas douradas que adornavam o terraço.
E foi esse vento que agitou os véus e fez descobrir como, quase nua, se
lavava Bate-Seba.
Ela lavava-se não tão
inocentemente quanto possa parecer, como muitos séculos depois Pilatos, pegando
numa bacia, lavou as suas mãos diante da multidão.
28-08-2016
© João Tomaz Parreira
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