Pintura a óleo "Os 17 de Abetaia" - Otton Arruda Lopes
Exposto no Museu da FEB - Belo Horizonte, MG.
(Ao Regimento Sampaio e ao heroísmo do Sargento
Luiz Rodrigues Filho e do Capelão João Soren.)
...E a notícia correu, levando esse desfecho:
- "O Brasil declarou-se em guerra contra o Eixo!..."
O Sargento Luiz ouvia o rádio em casa;
E diante dessa nova, o coração lhe abrasa:
Pensou no Baipendi e nos outros navios,
afundados de noite, em meio aos desafios,
dos agressores vis, cobardes, desalmados,
que metralhavam rindo os botes apinhados,
de desvairadas mães, de filhos que choravam
e de esposas que ainda as ondas perscrutavam.
- Quem sabe? - para enviar um vislumbre de paz
aqueles que - talvez - não voltariam mais...
E, cônscio do dever que a disciplina exige,
farda-se incontinente e ao quartel se dirige,
para se apresentar e ter o seu fuzil
com que defenderia a honra do Brasil...
Alguns meses depois, com a gloriosa F.E.B,
nalgum porto da Itália, ele também recebe,
de outros povos irmãos, a homenagem primeira
ao canto do hino pátrio, em frente da bandeira...
Nesse instante febril sua alma se extasia,
na ânsia de defender essa democracia,
que, em nome da justiça, acena para o mundo,
prometendo um futuro esplêndido e fecundo.
Onde o Direito e o Bem, irmanados no Amor,
fazem da vida um céu de primavera em flor...
Certo dia foi dada uma ordem ao Regimento
Sampaio, de avançar...
E a missão do Sargento
Luiz era envolver, pelo flanco, Abetaia.
- Um lugarejo que servia de atalaia,
ao exército alemão, que no Monte Castelo,
aguardava o sinal para o combate... -
Belo
e forte, ele dispôs seu grupo para o ataque,
dizendo - "Cada qual se bata com destaque,
procurando elevar bem alto a nossa terra,
defendendo as razões que trouxeram à guerra,
as forças do Brasil! Que cada um se convença
que o mundo de amanhã lavrará a sentença
de morte ou de perdão pelos feitos de agora,
que hão de servir de marco à inolvidável hora
desta época que tem como escopo a Verdade.
- Suprema aspiração de toda a humanidade!"
E a luta começou. O sibilar das balas,
as chamas a rolar pelos bordos das valas.
Morteiros explodindo e canhões ribombando,
bombardeiros do céu granadas despejando.
E gritos, e explosões, e pragas e gemidos,
e os horrores da morte e o sangue dos feridos.
Tudo se misturava em delírio profundo,
sob o luto da noite, amortalhando o mundo...
O heróico grupo avança... Está quase cumprida
difícil missão por ele recebida...
Já são poucos, então...
Calaram-se os canhões...
O inimigo abandona as suas posições...
É o assalto final...
O inimigo recua...
Mas... sobre o chão da Itália, à frouxa luz da lua,
os corpos dos heróis, frios ensanguentados,
marcavam, nesse instante, os traços mais sagrados,
que haveriam de unir a família remida
no monumento ideal da Pátria agradecida...
Algum tempo depois, na piedosa missão
de mortos recolher, um jovem capelão,
entre outros corpos, acha o do Sargento Luiz,
sobraçando a sua arma...
E um sorriso feliz,
nos lábios esboçado, era o argumento forte
que ele entrara no céu pelos umbrais da morte...
Um projétil lhe houvera atravessado o peito;
Mas não morrera logo... achara ainda um jeito,
de tirar do seu bolso um Novo Testamento
com Saltério... e sentir ali, nesse momento,
o desejo de ler, pela última vêz,
como se fora seu, o Salmo vinte e três:
- "O Senhor é o meu pastor, nada me faltará!
Deita-me em verde pasto e guia-me onde há
água tranquila e sã! Refrigera a minha alma!
Dirige-me à vereda esplendorosa e calma
da justiça e do amor! E ainda que ande sem norte
pelo vale da sombra esquálida da morte,
não temo mal algum, pois tu estás comigo.
Teu cajado me guia e livra do perigo;
tua voz me consola; a tua unção me anima;
o meu cálice transborda; a minha alma sublima.
Na esperança e na fé! Certo, tua bondade,
tua misericórdia e tua caridade
seguir-me-hão, pra sempre, entre paz e alegrias;
e habitarei, Senhor, contigo longos dias!..."
E não lera mais nada...
A cabeça reclina
sobre o Saltério aberto...
E, na graça divina,
como um justo, perdoando, em paz adormeceu,
e como herói, honrando o seu país, morreu...
* * * * * *
Hoje no cemitério humilde de Pistóia.
- Pedaço do Brasil engastado na joia.
De uma saudade eterna - em chão da Itália, a lousa,
com um número qualquer, indica onde repousa,
à sombra do auri-verde estandarte, um sargento,
que, morrendo, exaltou seu nobre Regimento.
Porque soube atender, com presteza e valor,
ao chamado da Pátria e à voz do Bom Pastor!
- - - - -
Mário Barreto França - Icaraí - 1947
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Colaboração da poeta Pérrima de Moraes Cláudio
Um comentário:
Prezados Senhores,
Cordiais Saudações.
Gostaria de saber em qual livro de Mário Barreto França posso encontrar essa linda poesia?
Desde já, grato,
Abraços
Pr Laurindo
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