sábado, 19 de novembro de 2011

O Profeta Jeremias leitor dos Salmos

João Tomaz Parreira 

A questão levantada no título pondera uma possibilidade. Pensamos que sim pela sensibilidade demonstrada pelo profeta tanto no seu livro profético (com poesia também) como nas elegias bíblicas das suas Lamentações.

Mas sem a contextualizarmos, cronológica e textualmente, ficamos apenas no encalço dessa ponderação. Vejamos.

"Todavia abençoarei aquele que confia em mim e procura em mim a segurança.
Esse é semelhante a uma árvore plantada à beira de um regato, estendendo as suas raízes para a água. Não teme quando vem o Estio, porque as suas folhas permanecem verdes; pouco lhe importa se não há chuva; e não deixa de dar fruto."

Jeremias 17,8-9

A metáfora do bem-aventurado na imagem de uma árvore na margem de um ribeiro, é recorrente na poética hebraica, o que se compara é a vitalidade da árvore que busca o fluir da vida nas águas correntes, dependente dessa seiva que alimenta e fortalece as suas raízes, é o homem dependente de Deus.

Ao reproduzir uma imagem mental, da imaginação, perdoe-se-me a redundância, os salmistas e até o profeta Jeremias, estão a inscrever no espaço do sagrado a poesia, lírica e bucólica a um tempo, porque na prosopopeia da linguagem poética utilizada (“estendendo as suas raízes para a água”), estão a narrar o que poderia ter acontecido, o que não se pode ver a olho-nu, mas que se intui poeticamente: o movimento sedento das raízes.

No livro poético de Job lemos mesmo dois versos exemplares sobre calamidades que caem sobre o ímpio/iníquo: “ Não verá as correntes, os rios / e os ribeiros de mel e manteiga” , numa metáfora para expressar a quantidade de mel e leite e a fluidez da manteiga, segundo o costume oriental servida em jarras. (1)

Ora Job surge-nos num período de tempo anterior aos salmistas e a Jeremias, era um patriarca, e seja quem for – até o próprio - que tenha escrito o livro de Job como história de um homem cuja paciência foi capaz de comover Deus, estamos perante um livro arquétipo da poesia hebraica.

Eusebio de Cesareia parece fixar a data da existência de Job em eras anteriores a Moisés, no tempo de Isaque designadamente, cerca de 1800 anos antes de Cristo. E o local, Hus, entre a Palestina e o Eufrates.

Alguém escreveu com acerto, que não se pode estabelecer “um preciso sistema de datas” para o Livro de Salmos em geral. Salvo para aqueles que levam, obviamente, o nome dos autores, de Moisés a David, sobretudo. Seja como for, o Salmo 1 – designado por salmo do Limirar, Pórtico, Prefácio de todos os Psalmoi – é de autor desconhcido, mas entende-se que nunca poderá ter sido escrito depois dos profetas de Israel. Designadamente de Jeremias, que viveu e pregou no século VII A.C.

Basta-nos a simplificação actual do recurso à internet para na Wikipédia lermos que estabelecida a data de nascimento do rei David por volta de 1040 a.C., e sua morte em 970 a.C., escreveu e reinou sobre Judá de 1010 a 1003 a.C., e sobre o reino unificado de Israel de 1003 a 970 a.C.

Prefiro , contudo, folhear os livros e sentir a textura do vento das folhas a passarem, e nestes a confirmação acentua-se.

De facto, o historiador Flávio Josefo, no seu Livro 6º, nas suas paráfrases narrativas histórico-bíblicas dos Livros de Samuel, coloca David em contexto com os dias do primeiro rei de Israel, Saul, como sabemos.

Qualquer História de Israel não pode fazer outra coisa senão repetir a Bíblia Sagrada, como reconheceu, e.g., M.A.Beek (2). A verdade é que tal história pode pormenorizar pela diegese e até pela própria arqueologia bíblica, pormenores contextualizadores dos chamados tempos bíblicos. Sem descurar nunca que o “Velho Testamento deve manter-se como a principal fonte de consulta do historiador”.

Assim, todos os acontecimentos que se relacionam com o rei David se situam sem grande contestação dos cronologistas entre os anos 1011 e 972 A.C. E a sua poesia ao estilo hebraico, transformada por David que lhe infundiu o espírito da religião de Israel, a poesia bíblica dos Salmos, teve o seu apogeu nessa época, naqueles anos de ouro dos Louvores a Jeová.

Não obstante o primeiro Salmo não trazer indicação de autor, se considerar que não é da autoria de David, da quase unanimidade dos comentários referir que “ poucos Salmos são pré-exílicos ou totalmente depois do cativeiro” na Babilónia, está sempre contido entre os salmos pré-davídicos e do período anterior ao Exílio.

Salmo 1 (o salmo do Limiar)

Feliz é o homem que não anda

segundo o conselho dos íniquos,

Nem no caminho dos pecadores se detém,

Nem na roda dos escarnecedores se assenta.

Mas o seu prazer está na lei de Jehovah,

E na sua lei medita de dia e de noite.

Ele é qual árvore plantada

junto às correntes das águas,

Que em tempo próprio dá o seu fruto,

E cuja folha não cai (...)

in Livro de Psalmos (A Bíblia Sagrada, Soc.Bíblicas Unidas, Rio, 1947)

Não haverá dúvida de que a referência sapiêncial de Jeremias às condições éticas e morais, à fé e à inteira confiança no Senhor, de acordo com as quais o mesmo Deus abençoa, coloca as mesmas comparações do Salmo 1.

Os mesmos referentes e o mesmo Eu poético, as idênticas metáforas relacionais, o crente semelhante a uma árvore, as margens de um regato, as águas, as folhas verdes apesar do lume dos Estios, os frutos como consequência da vitalidade das raízes.

Uma prosa poética, sem dúvida, na mesma linha dos Salmos da Sabedoria. Jeremias era, naturalmente, leitor dos Salmos. Do mesmo modo que qualquer judeu com responsabilidades religiosas, antes e depois do exílio. O próprio Senhor Jesus Cristo, no que concerne às Escrituras Sagradas, ensinou sobre a sua leitura, sublinhou nelas as profecias sobre Si, “que importava se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos.” (Lc 24,44) As divisões principais do cânon judeu das Escrituras.


(1)- Comentario Exegetico y Explicativo de La Biblia, Tomo I, A.T., CBP, pág. 411.

(2)- História de Israel, M.A.Beek, Zahar Editores, 1967











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