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Posso considerar-me um quase-especialista em andar de metrô e de trem na Cidade de São Paulo. Já faz tempo que desisti do carro aqui cujo trânsito anda ruim e piorando. São milhares de carros novos na rua todo dia. Por esta razão, não vejo solução a curto prazo. Mas quem decidiu viver independente de carro, como eu, tem que descobrir as manhas, a estratégia de usar o transporte coletivo sobre trilhos. Para escrever este tipo de texto, é preciso ouvir as pessoas, registrar cenas do cotidiano que em Paulo são abundantes. Você abre os olhos, e sempre descobre algo para nos surpreender. Como a oração que eu ouvi, dois dias atrás, no Metrô República.
Eu vejo, quase todo dia, muita gente mal humorada resmungando sobre o transporte coletivo da Cidade. Tenho boas lembranças disso, quando por aqui cheguei, em março de 1974, com um baita de uma mala, igual a um clipe da canção "Mrs. Robinson" de Paul Simon e Art Garfungel. Na época, meu primo foi buscar-me naquela rodoviária velha, ao lado da Estação Júlio Prestes, na Avenida Duque de Caxias. Pegamos um coletivo ali no final da Rua Santa Ifigênia e descemos para baldear na Praça da Bandeira, junto ao prédio do Edifício Joelma, que acabara de ser queimado.
Já usei o trem da companhia local, a CPTM, para me levar a vários lugares da Grande São Paulo. Já fui para Guainases, São Miguel Paulista, Ribeirão Pires, Osasco, Barueri, Santo André, Mauá; só não fui para Jundiaí. Já baldeei em Osasco, na Ponte Orca, na Barra Funda, na Estação Brás, na Luz, em Santo Amaro, na Estação Pinheiros e Tamanduateí. Já paguei micos memoráveis. Foi por causa deles que, como disse, virei um quase-especialista. Sei as posições certas das estações onde devo entrar para poder sair em frente e mais rápido. E quando se fala em pressa, aqui na Capital, mesmo quem não tem grandes compromissos, anda apressado e correndo pelas estações. Ou todo mundo levanta atrasado, ou finge que tem algo muito importante para andar correndo. Acho que São Paulo tem um velocidade de cruzeiro e todo mundo segue sua inércia.
Há dois tipos de viagem nos trens da CPTM. A boa, quando você embarca no contra-fluxo, com assentos sobrando, aquele silêncio, principalmente nos itinerários de Calmon Viana ou Rio Grande da Serra. Se, por exemplo estiver voltando, se não tiver bastante cuidado, você cochila e passa da estação. Já aconteceu comigo e tive que voltar uma estação.
Há dois tipos de viagem nos trens da CPTM. A boa, quando você embarca no contra-fluxo, com assentos sobrando, aquele silêncio, principalmente nos itinerários de Calmon Viana ou Rio Grande da Serra. Se, por exemplo estiver voltando, se não tiver bastante cuidado, você cochila e passa da estação. Já aconteceu comigo e tive que voltar uma estação.
Agora vou falar da ruim.
Horário do rush, indo para o lugar que todo mundo vai. Eu já vi de (quase) tudo. Certa vez, uma moça embarcou na Estação Presidente Altino, e o trem estava vazio. Pensando que ele continuaria assim, ela ficou na porta onde empilhou muitas malas e um grande caminhão de brinquedo de madeira. Três estações à frente, entrou tanto passageiro por aquela porta que, à certa altura, eu não via mais a moça, nem as malas, nem o caminhão de brinquedo, senão apenas uma voz xingando e rogando um monte de pragas, preocupada com as malas. O povo, que acompanhava aquela péssima posição, tentava ficar sério quando na verdade está morrendo de rir.
Também vi um outro moço, bem pesado (para não chamar de gordo), tentando entrar na Estação Vila Olímpia. Veio o guarda e empurrou suas costas, tanto, até que ele coube no carro. E, na estação seguinte veio vindo uma "coorte romana". Umas 100 pessoas, rasgando, abrindo espaço de qualquer jeito. Quando eu penso que não, aquele moço já estava a uns dois metros da porta, por onde custosamente tinha entrado. Péssimo para uns, estas coisas dão um toque de bom humor para outros que estão em situação mais confortável.
Também já fiquei horrorizado, quando estava na plataforma da Estação de Santo Amaro, quando ouvimos um barulho ensurdecedor de uma pessoa que caiu, ou segundo a CPTM, se atirou na frente do trem. Este tipo de coisa estraga o dia de qualquer um.
Mas o título desta crônica nada tem a ver com coisas ruins.
Eu deixei meu trabalho no fim da tarde da terça-feira passada, e segui até a Estação Sé do Metrô. Além da chuva, algum outro problema deve ter acontecido, pois a plataforma da Linha Vermelha estava abarrotada de gente com destino à Barra Funda. E entrou aquela multidão. Uma jovem do interior, segurava sua mamãe pela mão. Incomodada naquele sufoco, ela começou a resmungar. Acho que ela nunca antes tinha estado em um trem tão lotado.
-- Isto é um inferno, reclamou.
As duas eram bem baixinhas e o guarda-mão, ou sei lá o nome daquilo, estava a meio metro de altura, fora de alcance de qualquer brasileiro ou brasileira - parafraseando aquele antigo presidente bigodudo.
--Senhora, disse eu, neste horário é assim mesmo.
O fato é que, para descer na República, eu ainda estava longe da porta. Perguntei para o rapaz da frente, e ele respondeu que ia para a mesma estação. Aliás, parece que o vagão inteiro queria descer na República. E a porta abriu e travou de tanta gente querendo contrariar a Lei de Newon. Um moço muito prático, que já estava empurrando, dizia irônico:
--Não empurra, gente!
E no meio daquela multidão toda, apressada para sair por uma porta só, em plena Estação República uma voz de mulher sobressaiu mais alto que todas, em oração muito bem humorada:
--ABENÇOA, PAI QUERIDOOO!
Quem estava furioso, começou a rir. Foi uma oração curta, com um resultado surpreendente.
Eu fico pensando em nossas reações diárias diante das atribulações da vida, inclusive as mais penosas, será que estamos abrindo a boca para falar um palavrão, ou para surpreender com uma oração, abençoa, Pai querido?
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